
O que é wicca?
A wicca é parte de um ramo da Nova Era chamado por Heelas (1996) de “conhecimento da Deusa”, alinhada com uma espiritualidade feminista e com fortes preocupações ecológicas. Tentando um resgate da tradição mágica europeia, a wicca reformula muito desta tradição e se abre à inclusão de elementos de qualquer origem espaço-temporal. Para seus seguidores, ela é uma religião pagã herdeira das tradições e crenças das comunidades europeias anteriores ao cristianismo (Grimassi, 2000). Alguns autores traçam uma linhagem que viria diretamente da pré-história para os dias atuais, outros acreditam que a wicca foi formulada na Inglaterra, na década de 1950. Em sua cosmologia, a wicca professa a crença em um par divino, a Deusa e o Deus. A Deusa teria dado origem ao Deus e ambos teriam criado o universo e todas as coisas nele – ou seriam o próprio universo, a própria natureza. Sendo a primeira, Ela tem preeminência sobre Ele, visto como seu 'lho e consorte, e essa preeminência se repete nas práticas da wicca. Por isto, nos rituais, o lugar de destaque e liderança deve ser, tradicionalmente, de uma mulher. Encarnando princípios da natureza, esse par se torna doador de vida. A Deusa é associada à terra, às águas e à lua. O Deus é associado ao sol, ao céu, aos animais e à vegetação. Eles representam princípios opostos, mas complementares. A Deusa, como terra, deve ser fertilizada por seu consorte, o Deus, que representa o sol. Ambos são divindades da natureza e operam segundo os ciclos naturais (solares). Vista pelas bruxas como sujeito mais próximo à natureza, a mulher guarda, na wicca, um local privilegiado para a atuação mágica, especialmente a bruxaria. Outros praticantes de magia como feiticeiros, magos e xamãs são sempre referidos na forma masculina, enquanto as bruxas são referidas na forma feminina. Estes outros sujeitos foram descritos pelas bruxas entrevistadas como simples operadores de magia, e não como membros de uma religião da natureza. Exceção deve ser feita ao xamã, que é visto como um ser ainda mais conectado à natureza do que as próprias bruxas, mas cuja atuação difere da delas. Nesse sentido, a bruxaria é frequentemente descrita por seus praticantes como uma religião da terra, exatamente como o xamanismo, terra e natureza ganhando signicados associados à divindade feminina na wicca. Os wiccanos atribuem ao masculino os papéis ativos: a guerra, a força, a luz, o selvagem. Ao feminino estão guardados os atributos da passividade, da fragilidade, da loucura, da escuridão e da cultura. O último par propõe que, na wicca, a valoração de gênero está construída de forma inversa àquela presente em nossa sociedade, colocando-se o feminino numa posição superior ao masculino. A civilização, a sofisticação da cultura, é apresentada como um atributo feminino, enquanto o masculino seria tosco, rude, selvagem. É fácil encontrar autores wiccanos e bruxas que acreditam que a bruxaria é proveniente de uma época da humanidade em que a sociedade se organizava em modelos matriarcais. Essa ideia corrobora a hipótese de que essa é uma religião centrada no feminino. O que se torna patente nos discursos elaborados pelas bruxas a respeito de sua própria história é que esta se constrói sempre em território europeu, está vinculada a um passado mítico ou distante, se organiza pela procura do tradicional como um conceito legitimador e é centrada no feminino.
(texto retirado da Revista da USP)
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